sexta-feira, 10 de agosto de 2012

não é a idade que nos turva a vista, é o cansaço

.
.
Não sei se são os trinta anos
.
Não sei o que se passa comigo:
cada vez me assusta mais a solidão.
Aos vinte anos, aos vinte cinco, 
figurava o paraíso como um quarto vazio, 
onde o silêncio de um livro ressoava 
pela noite dentro. Protegia dos amigos 
minhas horas, dos irmãos, dos apelos 
do telefone. Como um cego de nascença,
estudava a escuridão. Sonhava-me
recluso numa ilha de fragais, rodeado ,
de trincheiras, distante de pracetas, 
acenos, convites pra jantar. 
O lamento era o meu hobby preferido. 

Não sei se são os trinta anos, a chuva,
o sabor de mais um dia derrubado
nos transportes colectivos,
a queda maligna das primeiras folhas;
não sei o que é, talvez o teu amor
comece, pouco a pouco, a civilizar-me.
Agora, se chego a casa e tu não estás,
corro a pôr música, abro janelas,
agarro-me ao telefone, como um náufrago,
incapaz de suportar por um segundo
o terror emboscado debaixo da cama,
atrás das estantes, dentro de mim.
.
.
josé miguel silva
.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário