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rumei ao sul de comboio, rasgando paisagens de imagens sobrepostas na correria. foi a primeira vez que atravessei o país inteiro, norte a sul como uma centrífuga que mistura a meteorologia e nos devolve o sol.
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(não há forma de esquecer certos vícios da memória, as imagens que marcam mais que uma fotografia)
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depois da rusga encarrilhada ao espírito aventureiro, chega a luz, e o calor. chegam as praias de manhã fresca, de corridas duras e arrastadas, de lutas contra a rotina, das bolas de creme, dos livros salpicados de areia, do cheiro da pele com bronzeador, de mulheres semi-nuas, das guitarras (ah, sim como vão longe as mundos que desabito), das promessas de vitalidade, do pôr-do-sol, as loiras, a orografia revisitada, a brisa suspirada pelas ondas, os acidentes naturais, e todos os cheiros, sons e sabores.
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(acordar nestes dias parece-se com o milagre da devolução da juventude)
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e à noite as luzes da rua, com miríades de pessoas em processo de ebulição, o verão em ponto-de-partida, as bebidas, os sorrisos, as gerações em osmose permanente, os aromas fugazes, os sonhos, a lua-pomes, os olhos claros em raides sedutores, o juízo final em festa, uma espécie de apocalipse em simulacro, a esperança do salto no escuro do amor.
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(como podemos estar tão deslocados do mundo, e esperar nele a ressurreição da alma-poeta?)
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mas mais tarde há a ressaca, o regresso, a agonia de um ritmo cardíaco a acelerar, o castigo do corpo pelos pecados do sonho, o túnel que se fecha e desliga a luz na nossa passagem, o novo dia-a-dia que suspende a emoção, a máscara que esconde a alegria de uma perda inevitável.
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(mas o que fica é sempre maior que a memória)
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