sexta-feira, 6 de julho de 2012

abdução [2]

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estava aqui a pensar que tinha de fazer o meu primeiro passaporte. o mais rápido possível. as oportunidades para viajar aparecem à velocidade da luz, haja disponibilidade, e se não o tenho em mãos, arrisco-me a perder um comboio que vai para sonhos. ontem foi marrocos, anteontem já era moçambique. se bem que eu iria era para nova iorque, buenos aires, moscovo, pequim ou tóquio. lá chegará o seu dia, espero eu.
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(vou viver
até quando eu não sei) *
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há uns cinco anos atrás decidi mudar a minha vida. (não foi tudo, mas agora vai o resto). viajar. não quero o restolho da minha vida pintado a negro. quero-o, definitivamente, azul. apanhei-lhe o gosto. barcelona (ai, ai), madrid, veneza (la più bella cittá), pisa, milão, florença, ljubljana, viena, praga, cracóvia, aushcwitz (ainda escrevo isto à primeira), munique, zurique, vaduz, génova, roma, lyon, st. étinne, avignon (oh, os campos de alfazema da provença), paris, bruxelas, roterdão, nijmegen, utrecht, amsterdão. ufa. e madeira. linda a madeira.
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(a vida é sempre uma curiosidade
que me desperta com a idade
interessa-me o que está para vir) *
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agora a viagem é outra.  tenho uma interior mais difícil de fazer. não há voos diários, os acessos são inclinados, e as esquinas são escuras. o diálogo (monólogo) terá de ser permanente. e o papel. escrever os rasgos luminosos da paisagem, das ruas onde mudei a minha forma de estar. deve ser esta a receita dos doentes da fala. andamos todos perdidos de desabafos. ninguém fala. ninguém ouve. então escreva-se mais, com a melancolia presa nos dedos, e nas mãos os sonhos ainda despertos.
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(a vida em mim acende uma certeza
que nasce da minha riqueza
do meu prazer em descobrir) *
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à espera de godot é que não vou ficar. é dor de crescimento. menos dramatismo, mais acção. apenas uma vez vacilei a olhar para trás. mas nem uma vez renegaria aos princípios basilares do amor-próprio. o que faltou gradar há cinco anos atrás avança agora a toda a força. ao menos sirva para acordar para os sussuros abafados no ruído. há segredos a serem revelados. basta ouvi-los.
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(encontrar
renovar
vou fugir ao repetir) *
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no final da peça, à espera de godot, os dois amigos perguntam-se se devem partir. dizem que sim, mas ficam parados.
eu não.
eu vou.
para onde ainda não sei. sei é que não vou pelos mesmos caminhos. fugir ao repetir. siga.
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